Monday, September 15, 2008

Sair, aprender e ter iniciativa

Manuel Caldeira Cabral
Sair, aprender e ter iniciativa

Os universitários portugueses estão cada vez mais diferentes dos europeus. A maioria vive em casa dos pais, não trabalha durante o curso e vai de carro para a universidade. Nada disto os estimula a serem empreendedores ou a amadurecerem para a realidade profissional mais dura que terão de enfrentar.

Nos últimos 20 anos o sistema universitário português convergiu com o dos restantes países europeus em muitos aspectos. Hoje os alunos entram para universidades com uma elevada proporção de docentes doutorados no estrangeiro, que em muitos casos ensinam as mesmas matérias que leccionaram em Inglaterra ou nos Estados Unidos da América. A Internet dá-lhes acesso aos mesmos conteúdos que os seus colegas europeus, uma realidade distante da vivida no passado em que dependiam de bibliotecas mal apetrechadas. E o programa Erasmus trouxe também excelentes oportunidades.

O outro lado da moeda surge quando se olha para estatísticas onde se lê que Portugal é o segundo país da União Europeia com maior percentagem de estudantes universitários a viver em casa dos pais e a estudar na mesma cidade onde cresceram, sendo simultaneamente um dos três países da UE onde menor percentagem dos universitários trabalha durante o curso. Na Suécia, um dos países mais ricos da Europa, cerca de 60% dos alunos trabalham durante o curso. Em Portugal são menos de 15%.

Nestes aspectos a experiência vivida nas universidades portuguesas é muito diferente da europeia, e tornou-se ainda mais diferente nos últimos 10 anos. A expansão das vagas permitiu aos estudantes um maior leque de hipóteses. A maioria dos alunos escolheu ficar na universidade ou politécnico mais próximo de casa. O resultado foi a criação de universidades mais regionais, onde a maioria dos alunos têm mais de 80% de colegas da mesma região. A isto acresce que, em média, apenas têm 0,7% de colegas oriundos de outros países comunitários.

A decisão de ficar em casa dos pais em muitos casos é determinada por factores económicos. No entanto, o parque automóvel de metade dos estudantes e sua expansão nos últimos anos demonstra bem que em muitos outros casos não o é. Os estudantes portugueses são os únicos europeus para quem o carro é o meio de transporte mais usado para chegar à universidade.

Porque é que isto é importante? Quais são as implicações destas diferenças?

Para a maioria dos jovens europeus a experiência universitária passa por conquistar um espaço de autonomia individual, com mais liberdade mas também maior responsabilidade. Os estudantes ingleses ou holandeses aprendem a cuidar de si e a serem independentes. Têm de trabalhar para poder fazer viagens ou comprar uma guitarra. Têm de gerir a sua própria vida e o seu orçamento. Quando saem do curso muitos têm experiência de trabalhar e de valorizar o dinheiro ganho com esforço.

A maioria dos seus colegas portugueses tem o carro que os pais lhes oferecem, se oferecerem, e faz as férias que os pais lhes pagam. O que conseguem ter ou fazer não depende em nada da sua iniciativa ou do seu esforço. Esta é uma lição de "desempreendorismo" que vão aprender durante três, quatro ou cinco anos de universidade.

Por outro lado, acabam o curso já com o vício de ter carro e o hábito de viver numa casa com as condições que os seus pais apenas conquistaram aos 50 anos. Depois entram num mercado de trabalho onde dificilmente conseguirão um rendimento que permita tais "luxos". Situação que, aliada ao facto de maioritariamente estudarem na cidade onde cresceram, limita fortemente a sua mobilidade geográfica. Já a maioria dos estudantes europeus sai de casa aos 17 anos, mudando de cidade. E depois, muitas vezes, aos 21 começa a trabalhar numa cidade diferente. Esta mobilidade permite um melhor encontro entre as qualificações dos licenciados e o que o mercado procura, ajudando a diminuir o desemprego e a aumentar a produtividade.

Em Portugal acaba por se criar um ambiente que faz com que a experiência universitária para muitos alunos seja um prolongar dos anos de liceu. Mantêm os mesmos amigos, continuam em casa da família, gastam muitas horas a ver televisão e não criam novos hábitos culturais. Este facto é, aliás, muito comentado pelos alunos que regressam do programa Erasmus. A participação neste programa europeu é, sem dúvida, um dos aspectos mais positivos dos últimos anos. A percentagem de alunos portugueses a estudar noutros países europeus aumentou entre 1998 e 2005 e manteve-se ligeiramente acima da média europeia. Ainda assim só entre 5 a 10% dos alunos beneficiam desta experiência.

O exemplo do programa Erasmus ou dos programas de mobilidade internacional para recém-licenciados servem para mostrar que há oportunidades muito interessantes. E existem tanto no estrangeiro como em Portugal. Quem ensina vê muitos alunos a aproveitá-las ou mesmo a criá-las, envolvendo-se com Organizações Não Governamentais, participando em grupos de teatro, orquestras, tunas, coros e muitas outras actividades em que vão aprender tanto ou mais que nas cadeiras do curso. Vê que os alunos que saem do seu conforto e têm iniciativa aprendem muito com esta experiência. Mas vê também que ainda são uma minoria.

São os alunos que têm de decidir se querem aproveitar estas oportunidades. Mas cabe aos pais e aos professores incentivá-los a quererem ser diferentes, a estarem abertos a novas experiências e a interessarem-se por aprender. Infelizmente na próxima semana começa a praxe nas universidades, que se prolonga por vários meses, seguindo um modelo do tipo militar, em que os alunos ficam em sentido, marcham e recebem ordens e insultos como se estivessem na recruta. Modelo que serve bem os propósitos da formação de soldados, onde a uniformização e o sacrifício do indivíduo face ao grupo são objectivos importantes, mas que dificilmente se percebe na universidade, onde a criatividade, inteligência e imaginação deviam liderar.

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